Quando Freud escreveu "Mal Estar na Civilização", em 1929, o mundo vivia um período turbulento. A queda da Bolsa de Valores americana e o clima de desconfiança pairavam sobre a humanidade. Anos antes, o mundo viveu sua Primeira Guerra Mundial. Não haveria momento mais oportuno para o psicanalista escrever tal obra.
Num mundo onde as fronteiras não existem, o capital produz a ganância pelo “ter” em detrimento do “ser”, sem instituições para nos amarrar e dar um sentido, a felicidade resolve os problemas e o nosso desejo é escapar da dor. Então, precisamos de algo para suprir a falta e o vazio. “Saídas” não faltam, porém, ledo engano, elas são efêmeras, acabamos voltando ao mal-estar.
Uma das saídas que Freud apontou é a substituição. Nada melhor que o tradicional Carnaval brasileiro para ilustrar e exemplificar o mal estar. Uma celebração pagã com quatro dias de puro êxtase, devaneio, delírio coletivo, catarse e escapismo, quando ritmos alucinantes regados ao álcool e sexo sem limites reforçam a ilusão de que é possível escapar: “E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia, que se chamava Carnaval, o Carnaval, Carnaval.”
Curiosamente, o período tão aguardado pelos brasileiros se opõe as palavras de Freud: não há civilização sem restrição da sexualidade. Com toda castração, onde estaria o superego nos quatro dias de Carnaval? Diante do frenesi e da pressão da velocidade de informação, da quantidade de estímulos que aumenta a angústia, o estimulo ao gozo é sempre constante.
A proposição contemporânea de “gozar o tempo todo” confunde o ser humano. Isso ocorre porque ele precisa de um objeto e a sociedade afirma que este existe, seja representado por uma pessoa, seja por outro objeto da realidade humana – a Bolsa de Valores, por exemplo. Contudo, tanto o outro quanto o capital são ineficientes na missão de satisfazer completa e constantemente, e a esperança do prazer total passa a ser concentrada em outros objetos – como o órgão sexual – e em comportamentos pueris tomados por um impulso infantil.
Ao juntar a ineficiência dos objetos de gozo em prover satisfação total e a neurose vivida pelo ser humano contemporâneo, percebe-se um movimento cada vez mais paradoxal no âmbito dos relacionamentos sociais. As relações afetivas, por exemplo, são cada vez mais frágeis por serem tomadas pelo medo da perda e, ao mesmo tempo, pelo desejo constante da satisfação sexual. A dinâmica destes relacionamentos passa a ser a “dinâmica do laço”, na qual o movimento de “manter o laço” e de “romper o laço” ocorre continuadamente, sempre no sentido de agredir e hostilizar o objeto de prazer devido à dependência afetiva e às neuroses contemporâneas.
Mesmo que a sociedade contemporânea proponha ao ser humano o gozo constante, ninguém conseguiu ainda ser completamente feliz. Isso porque a Lei ainda existe e o ser humano – pelo menos em sua representação social – não é perverso o suficiente para evitá-la a todo momento. A felicidade surge, tímida e pontualmente, nos cada vez mais raros (ou comuns, dependendo do nível de perversidade do indivíduo) momentos em que nos permitimos infringir a Lei.
Assim, temos o homem contemporâneo, desamparado, histérico, perdido sem nenhum sentido e consumindo múltiplas identidades.
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário